quarta-feira, 20 de julho de 2011

Dia de quitanda, o retorno

Muito já falei da minha amada avó espanhola, que morou por muitos anos em minha casa. Com ela estabeleci, desde minha infância, uma relação profunda e referencial, tanto no que diz respeito ao meu interesse pela culinária, quanto pelo crochê e outras artesanias e, sobretudo, por seus sensacionais ditados de vida. Tais ditado sempre me instigavam e fazem parte dos meus dizeres nos momentos de "sem palavras", mais ainda, quando os ditos ensinados por ela são em espanhol...

Vovó era aquela típica viúva espanhola, que usava vestimentas escuras e compridas, meias elásticas, sob sapato preto fechado, coque grisalho enrolado na nuca e nada de maquiagem (só pó de arroz e perfume sophistique). Seu sorriso aparecia somente para os íntimos. Ela era apenas uma avózinha, longe se ser uma mulherzinha como eu.

Por outro lado, pouco falei aqui da dona Elisa, minha amada acompanhante da infância, que chegou na minha casa como a lavadeira e a passadeira e se tornou a minha "babá" e a minha madrinha. Vez por outra, ela acompanhava os meus pais, nas suas atividades políticas clandestinas na pré revolução de 1964.

Porém, prioridade dela por escolha e/ou obrigação era ser a nossa "mãe de leite", na ausência da nossa mãe de sangue. O leite, na verdade, era representado por seu carinho, por  seu cuidado e suas histórias e sobretudo por sua inigualável companhia cuidadosa, desinteressada e acolhedora da nossa evolução.

Hoje eu sei que eu tive ao meu lado, uma pessoa misturada de Dona Benta, das matriarcas e das governantas do Milton Haulton, dentre outras fortes personagens femininas da nossa rica literatura. Para mim isto é um privilégio e uma honra.

Elisa era uma crioula encorpada ( eu cabia direitinho no colo dela), nativa de Nanuque, um lugar que , naquela época, eu acreditava ser de além mar. Ela me enchia de alegria e carinho, me arrumava que nem uma bonequinha, sem se desfazer de sua obrigação de empregada doméstica.

Tal criatura, naturalmente e sem qualquer planejamento, estruturou com a minha avó uma dupla fantástica, em uma articulação quase que perfeita. As histórias do passado, o cuidado conosco e os afazeres domésticos delas, eram complementares. Destaco aqui e sobretudo a quitanda que as duas realizavam aos sábados em minha casa.

Esse é o foco deste post. Se seguir pelo caminho falando de D. Elisa ou da minha avó, ou desta duas, não vou concluir minha idéia.

Quintadas aos sábados em minha casa eram um acontecimento. Assistir e se enfronhar na cozinha, em meio aquela dupla de mulheres fortes, uma branca e outra preta, uma européia e outra caipira, uma avó e outra serviçal, preparando os pães, os bolos, as balas delícias, os biscoitos, nas mesas de madeira e nos tachos de cobre da casa, delícias essas, que nos fartava ao longo da semana seguinte, era para mim, imperdível.

Claro que eu, além de apaixonada pelas duas e pela culinária, não arredava o pé de casa nas tardes de sábado. Ficava ali, me impondo como uma auxiliar infantil e curiosa, cuidando de buscar as farinhas, separar os ovos, medir os fermentos e os acúcares. E as duas me davam a maior corda.

Aprendi com elas muitas receitas, que jamais ousei fazer em suas ausências. Penso que fazer massas do que quer que seja sem as duas, não tem sentido e não vai dar certo.

Mas como eu estou num momento de superação, resolvi enfrentar as quintandas sem as duas, mas com outras companheiras. Embora faça bem massas podres (aqui), de nhoque(aqui), de pão de queijo e de alguns biscoitos, decidi ser hard. Vou partir, se tudo der certo e com todo o despreendimento, para as massas com fermentos biológicos.

Hoje não vou postar qualquer receita. Mas me aguardem!

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