segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Antes e depois

Há alguns anos atrás desejei organizar as minhas postagens em um livro de receitas, não apenas as de culinárias, mas também as outras, as de "estilo mulherzinha ". A idéia era inseri-las num contexto de Receitas com Histórias. A receita por si só não tem graça, é desprovida de charme e colorido. Desinteressante, pelo menos para mim. E, sinceramente, de livros de receitas culinárias, de dicas de moda, decoração e estilo, já estamos fartos, não é mesmo?

Mas a vida me deu aquela rasteira básica e eu abandonei este e todos os outros meus projetos. Após algum tempo de choque e consequentemente, calada, voltei a escrever, ainda que pouco, como desabafos esporádicos, sobre a minha dor, a falta, a presença da ausência. Muitas vezes eu me arrependia do que escrevia, me dava vergonha, não só porque era mal escrito, mas sobretudo porque discorria sobre os malfeitos da vida, da falta de dignidade que é conviver com o surrealismo de ter uma filha morta, violentamente.

Vich, o embrulho, o nó...Pausa para o choro...

Por muito tempo, o espaço para seguir na construção da vida, ficou em suspenso. Me tornei uma pessoa reclusa, vazia, de poucas palavras, cheia de secura. Uma pessoa "sem sentimentos". Sobrevivi às custas dos meus recursos pessoais, relacionados à minha determinação e objetividade em resolver coisas: Mulherzinha cheia das providências, Senhora resolve . Vai daí que dentre várias outras providências, me pus a acompanhar o processo de prisão e julgamento daqueles assassinos, como se eles tivessem matado um outro alguém; a burocracia do inventário da minha filha e dos direitos do meu neto, como se aquilo não tivesse nada a ver comigo; as providencias sobre todas as mudanças de residência que minha família teve de fazer ultimamente. Contabilizo umas 8 mudanças (incluindo aí as dos meus filhos), em 3 anos e pouco,

Após este processo, retomei a idéia do livro, há um ano atras. Consegui separar os meus texto em categorias, descartei vários e comecei a reler e dar uma ordem, a qual eu ainda não sabia direito qual. Sobraram dois "livros" distintos: um continha o Antes, o dos Pedaços de Felicidade e outro, o Depois, o dos Tempos de Dor.

Feito isso, parei de novo o projeto. Não me entendia com aquelas histórias, as quais senão me pareciam distantes, traziam uma realidade tão cruel e inominável, que eu não me reconhecia nela. Elas não me pertenciam.

Hoje tento retomar tudo isto, buscando aqui algum "fecho", a fim de me apropriar da minha própria história. Questão de sobrevivência, pois creio que sem apoderar-se da própria história, não é possível viver com integridade.


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A borda do buraco

Mais de dois anos sem publicar qualquer coisa por aqui.

Escrevi algumas coisas mal escritas, desinteressantes, indignas, vazias ou secas. Não as publiquei. Elas me envergonham.

Na última noite de insônia, a vontade de voltar para escrita reapareceu. Uma vontade mais edificante e digna, do que das últimas vezes. Muitas idéias foram surgindo nos meus pensamentos e me tirando o sono. São tantas idéias, que nem caberiam numa postagem só.

Anotei todas para desenvolver em breve, quem sabe!

Quis, porém dar um inicio a conversa, buscando não perder o fio e nem os seus laços. Creio que começar pela borda do buraco, que insiste em ser um caminho, para muitos de nós, pode ser uma boa tentativa.

Caminha-se nessa borda tortuosa, como se estivesse sem pernas, com muita dor e sofrimento, fazendo-se um esforço imenso para não cair no buraco. Trata-se de um orifício grande e irregular.

Vai-se bordejando o furo, acreditando-se que não vai cair nele, mas sim, se afastar dele.

Por vezes as suas dimensões aumentam; se apresenta com maior área e maior profundidade. Daí a beirada diminui e fica mais difícil seguir em frente. Quer dizer, não em frente, de fato, mas em círculos ou em espirais. Chega-se sempre no mesmo lugar, ou acima, ou abaixo dele.

Raramente, pode ocorrer o contrário: a borda se expandir, aumentando a largura do caminho. Daí atravessa-se com mais facilidade e com menor risco de cair dentro da grande fenda.

Em algumas raras ocasiões, surge um atalho para sair da borda. Mas ele desaparece mais rapidamente do que surge. Melhor assim. Se o atalho fosse bom, não existiria o caminho.

Em outras situações, cai-se no buraco. Mas, após o sufocamento inicial, constrói-se uma escada para sair dele e dar uma respirada. É uma escada difícil de construir, mas possível de atravessar. Daí, se sai.

Em vários momentos, o desejo é afundar no buraco e de lá, nunca mais sair. É a exaustão de bordejar e sempre voltar para o mesmo local, ou próximo dele. É querer descansar da dor e do sofrimento. Mas a natureza, na sua sede de sobrevivência muda este destino. E daí se sai, atravessa-se, ainda que temporariamente.

Hoje eu encontrei um trilho. Quem sabe eu chego, nem que seja por alguns segundos, num lugar bem distante do buraco e ainda lá, eu "hei de ouvir cantar uma sabiá, cantar uma sabiá".



Compartilho esta emocionante interpretação de Carminho. da belissima canção "Sabiá" do Chico e Tom. Infelizmente, a gravação está meio cortada e não é a mesma do filme do Chico. Quem assitiu esse filme sabe é de arrepiar e chorar.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Sem sentido

Todos os dias eu faço um esforço para buscar atividades para fazer o que sempre gostei. Encontro poucas. A morte da filha desfez o sentido de quase todas.

Agora mesmo, estou observando a minha gata catando os enfeites da minha árvore de natal, que eu só montei para a ceia de natal. Sinto um ímpeto de impedi-la. Mas, ao fazer o primeiro movimento para  sair daqui desta escrita e agir, me pergunto: prá quê? deixa ela destruir tudo!

É assim com quase tudo que faz parte do meu cotidiano. Ou seja, passo os meus dias reclusa, des-pensando, jogando, assistindo séries e filmes.

Recentemente, me deparei, na casa da minha caçula, com um porta guardanapos de florzinhas de crochê muito lindo. Pensei: vou fazer. Vou usar e aprimorar os ensinamentos da vovó Margarida que me aplicou neste oficio tão delicioso. Trouxe uma amostra, pesquisei na net os passos para crochetar as florzinhas. Afinal, eu devo ter uns 20 rolos de linha de diferentes cores, comprados há anos, exatamente para tecer e produzir belezas.





Ainda não comecei a produção. Prá quê?

Me lembro que o meu primeiro escrito daqui falava sobre o tecer.

 Por vezes, me maquio, coisa que eu adorava fazer. Acumulei zilhões de maquiagens de excelente qualidade. Faço isto não por prazer, como antes, mas por respeito àqueles com que vou encontrar. Quero que os meus amados acreditem que eu ainda vivo. Afora isto, prá quê?

Cuido da minha saúde básica, pois acredito que o sofrimento da alma piora muito quando não se tem saúde física. Dói mais. Afora o básico, prá quê?

Para voltar a escrever, coisa que eu sempre adorei, mas travei, me inspirei um pouco na diário que estou lendo do Bóris Fausto, que trata do luto dele pela morte da esposa. Não quero escrever um diário. Ainda não sei o que quero escrever.

Diferentemente dele, que visita o túmulo de Cynira frequentemente, eu nunca mais voltei ao túmulo da filha( e nem quero, por enquanto), jamais levei flores para ele (o túmulo). Para mim ele é o lugar dos ossos dela. Não o lugar da filha. Não quero conviver com tais ossos

 Ela, a minha filha, fica aqui, nos meus sonhos e pensamentos. Nas minhas recordações. Não quero me esquecer dela, quando viva.





quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Olhos nos olhos

Tenho sonhado com os amados que partiram.

O pai, aparece no jardim do Retiro, cuidando das palmas e das rosas, suas flores preferidas. Meia dúzia de galinhas Isa Brown o seguem pelo caminho. Por vezes ele me olha e sorri. Por vezes ele me abraça e chora comigo.

A mãe sempre está sorrindo de um jeito calmo. Não se aproxima de mim. Não chora. estende as roupas no varal. Por vezes, deito com ela de mãos dadas, na cama de casal da minha infância, onde eu dormia entre os dois: pai e mãe.

A filha sempre está sorrindo. Sempre está distante. Grito o nome dela e ela não me olha. Continua sorrindo para a paisagem. Me aproximo, peço permissão para tocá-la. Sua imagem embaça. Por vezes vira uma fotografia, por outras vira uma estátua com olhos de zumbi.

Num dos sonhos ela não era ela. Era uma sósia dela. Chorei no sonho de tanta saudade de nós duas. Pedi a moça para ser a double da filha. Ela topou. Mas ela tinha olhos escuros! Propus que ela usasse lentes cor do mar. Ela topou.Acordei e me pus a chorar.

Se perder no olhar da filha é uma experiência indescritível de amor. Vivi isso com a minha filha viva. A outra filha estava ali entre nós, no começo dessa vivência. Mas não o seu olhar e como eu desejaria me perder naquele olhar!

Me encontrei nos olhos da filha. Eu vi naqueles olhos, o meu olhar. Eu era ela. Ela estava em mim. Penso que as mães e filhas, que também participaram desta experiência, se emocionaram como eu.

A montagem do mosaico é de Simone Pazzzini e as fotos, do Projeto "Devastação" de Paula Huven (BH, maio de 2014), do qual tive a honra de participar.









quinta-feira, 26 de junho de 2014

Áureos tempos, novos tempos...

Diria que nos meus áureos tempos, esta semana seria de muita agitação, produção, inspirações e alegrias.

Afinal, fecho mais uma década de vida; meu neto chega do exterior, para passar férias comigo e estamos em período de copa do mundo no Brasil.

Diria que eu estaria preparando uma festança na casa perdida, como a ajuda dos 3 filhos queridos. Estaria repleta de pedacinhos de felicidade.

Talvez, além dos arranjos de flores e dos petiscos, que eu gostava de fazer pessoalmente, teria novas idéias para a festa, após uma extensa pesquisa e alguns experimentos.

Eu compraria um sapato, um batom e um perfume novos.

Nos áureos tempos, eu contrataria um grupo de chorinho para animar a festa, como já fiz tantas vezes. Talvez até cantasse um pouco com eles.

Nos atuais tempos, esses desprovidos de um quase tudo, vou preparar uma feijoada completa.

Quero receber meu Nênes com alegria, enfrentar o fechamento da minha década com dignidade e torcer para o Brasil, com força.

Vai daí, que no novo lar, onde eu reaprendo a viver, é necessário ter alguns pedacinhos de felicidade.

Claro que comprei flores para um arranjo singelo. Vejam só: Astromélias!






segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pedaços de mulher: ciao ciao bambina

Acordei com vontade escrever ...

Descobri que sabia escrever quando iniciei este blog.

Antes, eu escrevia bem meus texto técnicos. Aqueles que não falam de mim, de uma certa forma.

Há meses que eu não passo por aqui para falar de mim, de uma certa forma e nem de nada ou ninguém.

Não existe inspiração e nem desejo.

A dor não me permite enxergar a vida.

A dor me rouba as palavras.

A dor me fez desaprender a cozinhar.

Não me interesso mais por meus sapatos, meus batons ou meus perfumes.

Não acho mais graça nas coisas engraçadas da vida de uma mulher.

Perdi um tanto de pedaços da minha vida de mulher.

Surgiu um buraco em mim, que eu luto, no meu luto, para não cair nele. Só fico na sua borda.

Por vezes caio dentro do buraco. Mas volto para a borda.

É necessário reencontrar aqueles meus pedaços ou descobrir partes novas em mim.

Os pedaços possíveis.

Pois aquele maior, foi embora para sempre.

Tento me despedir. como tentou a amiga Si, no video abaixo compartilhado, mas não consigo.

ciao caio bambina

Video editado e enviado por Simone Pazzini



sábado, 26 de outubro de 2013

É a vida que segue:Estrada do Sol

Tenho dito para mim mesma que a vida segue. 

Nos exatos um ano da minha perda terrível, li isto na página da cara amiga: "É a vida que segue". Passei aquele dia com um nó na garganta e o estômago socado, buscando entender como é possível seguir com a vida. 

O dia acabou com a beleza e a delicadeza, dedicadas a ela, por amigos. Belas imagens dela, belas palavras para ela, canção bem escolhida e uma representação de uma Ofélia de Shakespeare muda, expressiva e delicada como ela. Era aquela louca que ela tanto gostava, mas muda. Ofélia se jogou no rio. O pai morto por Hamlet, seu amado, a enlouqueceu e ela se deixou levar pelas águas, passivamente.

Lembrei-me das palavras do amigo que também perdeu um filho: "Passada a dor aguda, a admiração, o carinho, a saudade, que não vem da perda, mas do que deixaram de legal, de humano, de criativo de marotice, nos faz passar a ter uma saudade mais terna, menos dolorida, mas cheia de admiração, acompanhado do sorriso que o jeito deles nos arranca."

Quantos amigos me pedem para voltar a escrever. Eu tento e aí me faltam as palavras  e se elas aparecem, sinto a angústia da perda irreparável e me ponho a chorar.


Mesmo assim, volto aos poucos à culinária, à feitura dos arranjos de flores, ao "cansei desapega" e em breve à costura. Portanto, tendo tais inspirações, volto aos poucos à escrita 

E hoje consegui terminar esta postagem, a qual me pus a escrever há mais de 15 dias.


Compartilho aqui a belíssima canção oferecida a minha filha, pela Júlia Branco, um ano após a sua partida para sempre: Estrada do sol de Tom Jobim e Dolores Duran. Como não tenho a gravação da Júlia, escolhi esta linda interpretação de Tom com o rei Roberto.



Ao me informar sobre esta parceria do Tom com  a Dolores Duran, descobri que ela também se foi muito jovem.

É a vida que segue, com perdas, mas com belas histórias.



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