Meu plano B, foi encaixotar tudo, usando a lógica de desocupar os espaços largados e acondicionar nos novos. Claro que não ia dar certo. Afinal, a casa deixada é bem maior do que apartamento escolhido. Então, à medida que as caixas iam sendo preenchidas, eu tentava exercitar o desapego sobre os itens detonados e sobre aqueles que eu não me lembrava mais o motivo de ainda estarem guardados comigo.
Porém, não se tratavam somente das minhas histórias e nem tampouco de apenas um lar. A grande maioria dos objetos são das histórias da família, todos compartilhados por todos, por algum tempo, às vezes separados por algumas situações, mas agora sendo ajuntados outra vez. Ao longo de tantos anos, acumulamos na casa, na casinha ou no apartamento do filho, muitos objetos com histórias . Vai dai que os livros e os discos, por exemplo, vieram todos para o novo lar.
A maior dificuldade foi encaixotar as coisas da casinha da filha mais velha, ela que se torna cada vez mais presente na sua imensa ausência. Cada brinco, colar, batom, vestido, taça, peça de figurino, disco, livro, agasalho, meia, dentre tantos outros itens guardava momentos para recordar e penar. Não me foi possível concluir tal função, até hoje.
Mediante a tamanha impotência e no sentido de dar um bom destino a itens tão "preciosos", a minha caçula propôs partilhar os mesmos com as amigas da irmã. Melhor idéia não haveria de ter. No último sábado promovemos o "Lembranças da Ciça" na casinha dela. Arrumamos os objetos "cara da Ciça" no armário e sobre a mesa e convidamos as amigas para escolher as suas lembrancinhas. Optamos por um horário matutino, bem distante do difícil entardecer da casa. As amigas foram chegando ao longo do dia, com delícias para um lanche. Uma delas nos levou as deliciosas coxinhas de galinha, que a Ciça tanto adorava. Foi um encontro bom, triste, recordamos de histórias e de vários momentos compartilhados com ela e expressos naqueles objetos. Choramos um pouco, juntas ou separadas no jardim, elaboramos um pouco a falta. Ali, chorando sob a chuva me lembrei de "Chove lá fora"do Tito Madi, canção que eu adoro, aqui interpretada por Caetano e Leo Gandelman.
Recordar, por agora, é viver...