domingo, 31 de março de 2013

Papai

Querido papai

Hoje, resolvi me afastar um pouco da minha pior perda e pensar em você. Sou o que sou, por você, que me deu a medida certa e exata de ser como sou. Trata-se daquele ser correto e exato, aquele que sempre procuro, nos momentos de perda, e que me esforço para ser.

Ai pai, que saudades de você. Saudades da sua exata palavra para o momento de aflições, do seu sorriso, do seu maravilhoso canto, da sua comida deliciosa, da sua revolta justa e sobretudo do rumo certo que você sempre me deu.

A vida foi muito dura comigo, mas eu sobrevivo com a força que você me ensinou a ter.

Há 49 anos aquela horrível revolução me tirou você, por algum tempo, mas por terríveis longos tempos. Eu tinha somente 10 anos. Mas eu sabia que você ainda era o meu rumo. Quem te tirou de mim é que não tinha rumo.

Obrigada por sua presença sempre ativa nos momentos mais decisivos da minha vida. Obrigada por seu canto, por sua voz nas minhas noites mais difíceis, por seu extrordinário assovio nas minhas manhãs sem esperança.

Obrigada Geraldo por você ser meu pai.

Ainda bem que você não está por aqui agora, vivendo a perda da sua neta, minha filha. Está giga difícil. Espero que você tenha se encontrado com ela por aí, onde você estiver. 

Compartilho aqui aquela canção que nós, suas filhas sempre cantamos para você: Pai e Mãe do Gilberto Gil, na interpretação da Simone.

Uma página virada: Páscoa

Após tanto tempo de recolhimento e silêncio, não poderia deixar de me manifestar hoje: Páscoa, dia de ressurreição e de renascimento.

Já no início da semana uma página daquela história tosca foi virada. Na véspera da audiência, as orquídeas dela floriram na minha varanda, como que num aviso de que ela estaria sempre presente entre nós, num alento.  Mesmo assim foi muito difícil reviver tudo. As declarações emocionadas do meu filho e da amiga também vítima e testemunha da tragédia foram duras e tristes. E a gente ficou ali, se apropriando, mais uma vez, daquela história sórdida. Neeeiiiimmmm! 


Por outro lado, tive a sensação de que uma página foi virada em minha vida. Me sinto mais livre para viver o meu luto e por consequência, estou mais livre para seguir com a minha vida. Algum renascimento surgiu daí. Pude receber com calma as minhas doces recordações da Páscoa em família. Por anos convivi com o gostoso sufoco em conciliar as minhas atividades profissionais com a busca, a compra dos ovos de chocolate escolhidos, o esconde esconde dos mesmos e a preparação do cardápio do almoço de Páscoa. Mantive tal tradição até recentemente. Meus filhos, continuaram a ganhar ovos de chocolate por todo o sempre, até o ano passado.


Este ano, contudo, passei em branco. Afinal, a maior amante de ovos de chocolate não está mais por aqui. Ela era a primeira de todos a encontrar os ovos escondidos, a primeira a consumir todo o chocolate e ainda a avançar nos chocolates dos irmãos mais comedidos. Além disto, o meu neto está longe, a minha mãe não está mais aqui, a antiga casa da família e o jardim do Retiro, locais de esconder os ovos, não nos pertencem mais.


Hoje, para a honrar a tradição e sua sequencia natural, na família que se formou daí, preparei uma almoço de Páscoa: filet ao molho de mostarda. Para 6 A 8 pessoas usei um filet que cortei em fatias grossas como para tornedôs, as quais impus uma amassada com as palmas da mão, para dar uma afinada na carne. Aqueci a frigideira até trepidar. Depositei nela um fio de azeite e selei as grossas fatias da carne temperadas, na hora da fritura, com sal e pimenta do reino do moinho. Após coradas de todos os lados, retirei e coloquei em descanso. Na frigideira da fritura, coloquei cebolas roxas, finamente picadas, com uma colher de sopa de manteiga. Depois de translucidas, depositei na mistura uma taça de espumante seco, de boa qualidade, duas colheres de mostarda de Dijon com sementes e uma xícara de creme de leite fresco. Esperei reduzir o molho até no ponto de creme (quando ao passar o dedo nas costas da colher de preparo, forma-se um fio, bem definido). Acertei o sal e a pimenta e pronto..


Servi com arroz, feijão e massas recheadas trazidas por convidados. Bão demais.


Para a minha queridinha ausente, ofereço um mega ovo de páscoa. Espero que de lá, ela possa saborea-lo com tudo que tem direito.


Feliz Páscoa para todos vocês, queridos amigos!


sexta-feira, 8 de março de 2013

Para todas a mulherzinhas

Me perguntava sempre: "Como é que uma mulher tão séria e responsável como eu pode ter este lado tão fútil, este lado tão mulherzinha". Hoje eu sei que ele representa a minha intimidade exclusiva. Como eu me cansava muito em doar minha mulherice para tantos e por tantos anos, eu deveria sim ter um lado só meu. Nós mulheres somos tão guerreiras, tão dedicadas a tudo, tão intensas e sensíveis, que temos sim de cultivar o nosso lado mulherzinha.

Dentro deste contexto compartilho com todas a mulherzinhas como eu, mais um belo trecho daquele livro e "Todas as Mulheres do Mundo" de e com Rita Lee

"Ele disse que ela havia de se por bonita para o pescador. Sorriram. Ele começou a penteá-la e a formar-lhe o cabelo para que tivesse um desenho qualquer. Sorriram. Desencantaram uns batons e outras humidades e mais pós de pintar a cara e foram sublinhando a Isaura aqui e acolá, como se marcassem o que se via de importante, como se propusessem uma leitura repetida de algo que não era feito de palavras mas que comparecia no rosto dela igual a página de uma história escrita. A Isaura nunca se imaginara com os olhos bordejados de azul claro, um azul  que escondia as olheiras tristes das noites de espera. Nunca pensara que a beleza pudesse estar simplesmente preguiçosa à sua mercê. à mercê de um maior empenho..." (Walter Hugo Mãe em O Filho de Mil Homens)

terça-feira, 5 de março de 2013

Seguir lutando: Os filhos

Lá se vão quase 5 meses de dor e ausência. De luto. Minha irmã me conforta dizendo que o dela demorou 6 meses. Mas ela pode elaborar a separação do filho gravemente doente, por mais de um ano. Eu não. Comigo foi assim, de repente. Alguns poucos dias após a minha despedida dela para a viagem: "você é a melhor mãe do mundo. Te amo. Boa viagem" as últimas palavras dela para mim. Só a vi de novo ali, deitada na caixa coberta de Lisianthus brancos, como se ela estivesse dormindo em sua mais extrema alvidez.

No meu luto, luto para lidar com a vida sem ela. Prefiro a contemplação da TV. Por vezes fujo dela e busco fazer algo mais produtivo, caminhar, trabalhar. Não encontro o desejo e nem a concentração necessária. Tento ler um romance. Mal começo. Pego outro, nem chego ao meio. 

Mas um eu consegui terminar, posto que me trouxe as palavras necessárias. Dele, eu retiro e compartilho um dos muitos trechos belos.

"...Os filhos, pensava ele, são modos de estender o corpo e aquilo a que se vai chamando de alma. São como continuarmos por onde já não estamos e estarmos, passarmos e estar verdadeiramente, porque ansiamos e sofremos mais pelos filhos do que por nós próprios, assim como nos reconfortam mais  as alegrias deles do que satisfação que diretamente auferimos. Por isso temos gula pelos filhos, uma gula do tamanho de absurdos, sempre começada, sempre incontrolável. E queremos tudo dos filhos como se nunca nos bastassem, nunca nos cansassem porque, ainda que nos cansemos, estamos incondicionalmente dispostos a continuar, uma e outra vez até que seja o corpo extenuado a desistir, mas nunca o nosso ímpeto, o nosso espírito. Até porque desistir de um filho seria como desistir do melhor de nós próprios. Cada filho somos nós no melhor que temos para dar. No melhor que temos para ser..." (Walter Hugo Mãe em O Filho de Mil Homens)


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