segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Caixas de histórias

Como organizar as histórias de tanta vida em tão poucas caixas? Estas são tantas! Decidi começar pela exclusão dos objetos sem história, os superfluos. Ao dar início a execução do meu plano, desanimei, deitei na cama e desisti. Não existia em mim a coragem necessária para desvincular o superfluo do principal, posto que teria de reviver o principal.

Meu plano B, foi encaixotar tudo, usando a lógica de desocupar os espaços largados e acondicionar nos novos. Claro que não ia dar certo. Afinal, a casa deixada é bem maior do que apartamento escolhido. Então, à medida que as caixas iam sendo preenchidas, eu tentava exercitar o desapego sobre os itens detonados e sobre aqueles que eu não me lembrava mais o motivo de ainda estarem guardados comigo.

Porém, não se tratavam somente das minhas histórias e nem tampouco de apenas um lar. A grande maioria dos objetos são das histórias da família, todos compartilhados por todos, por algum tempo, às vezes separados por algumas situações, mas agora sendo ajuntados outra vez. Ao longo de tantos anos, acumulamos na casa, na casinha ou no apartamento do filho, muitos objetos com histórias . Vai dai que os livros e os discos, por exemplo, vieram todos para o novo lar.

A maior dificuldade foi encaixotar as coisas da casinha da filha mais velha, ela que se torna cada vez mais presente na sua imensa ausência. Cada brinco, colar, batom, vestido, taça, peça de figurino, disco, livro, agasalho, meia, dentre tantos outros itens guardava momentos para recordar e penar. Não me foi possível concluir tal função, até hoje.

Mediante a tamanha impotência e no sentido de dar um bom destino a itens tão "preciosos", a minha caçula propôs partilhar os mesmos com as amigas da irmã. Melhor idéia não haveria de ter. No último sábado promovemos o "Lembranças da Ciça" na casinha dela. Arrumamos os objetos "cara da Ciça" no armário e sobre a mesa e convidamos as amigas para escolher as suas lembrancinhas. Optamos por um horário matutino, bem distante do difícil entardecer da casa. As amigas foram chegando ao longo do dia, com delícias para um lanche. Uma delas nos levou as deliciosas coxinhas de galinha, que a Ciça tanto adorava. Foi um encontro bom, triste, recordamos de histórias e de vários momentos compartilhados com ela e expressos naqueles objetos. Choramos um pouco, juntas ou separadas no jardim, elaboramos um pouco a falta. Ali, chorando sob a chuva me lembrei de "Chove lá fora"do Tito Madi, canção que eu adoro, aqui interpretada por Caetano e Leo Gandelman.
Uma das amigas nos escreveu assim: "Ela ali presente em cada caso que foi contado, em cada detalhe, um tercinho que virou colar, um esmalte chamado vanguarda, uma bolsa de brechó em forma de maleta... Um batom usado até o fim, ultra vermelho e gasto, de tantos beijos e sorrisos, e os espelhinhos flutuando pelo espaço, pendurados e espalhando luz nos quatro cantos da sua casinha..."

Recordar, por agora, é viver...

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Histórias de duas: Zazá

É isto: não consigo refletir, não consigo raciocinar, nada me inspira, as palavras me faltam. Por momentos efêmeros me animo, com a perspectiva de estruturar um novo lar. Mas logo a seguir sofro por não estar na velha casa, no antigo lar, cheio de histórias alegres. Choro durante as recordações das histórias da minha família. Desabo quando a minha filha mais velha faz parte da história. Ela faz parte de quase todas.

Não choro pela separação da casa em si, pois essa já não me pertence. Não choro pela separação da cadela adorada por nos duas ( mãe e filha). Sem a presença da minha filha, parece que eu não pertenço mais a cadela e ela, por sua vez, também não pertence mais a casa, nem tampouco ao lar. É estranho!

Zazá chegou em minha vida há quatro anos, num momento ruim. Fadigada por minha doença, eu não a desejei. Ela me foi imposta. Além disso, eu já estava por demais envolvida com a minha Nina, a outra cadela que morava na casa e já fazia parte do meu lar. Não havia espaço em mim para acolher ali mais um animal. Porém, de uma forma bem discreta ela, a Zazá, foi me acolhendo e, aos poucos,  ocupando quase todos os espaços da casa. Com a morte da Nina, ela se tornou a minha mais presente companhia e das mais queridas. Ela fazia parte do meu lar e das minhas histórias.

A minha filha, ao voltar de Londres, estabeleceu com ela uma ligação intensa. Zazá estava sempre ao seu lado, quer seja na minha casa ou na casinha anexa em que minha filha morava. Usando a pata dianteira, aprendeu a abrir a porta da casinha, espaço este no qual lhe era permitido deitar e dormir no sofá ou até mesmo na cama. Eu protestava contra tanta intimidade entre as duas, mas era sempre vencida por elas. As duas unidas ficavam, por vezes indiferenciadas, numa mistura de cão e gente. 

Zazá, tornou-se uma fonte de inspiração para alguns trabalhos da minha filha. Eu, ao tomar ciência de tais trabalhos, me deparava com fotos e filmes dessa cadela.

Foto editada para compor a capa de um de seus últimos projetos
A Zazá ainda sobrevive, mas vem perdendo aos poucos um tanto da sua alegria. Ela mora sozinha na casa, recebe a visita de outros, que não é a sua preferida, se ressentindo de tal ausência. Ela percebe o desmanche do lar e a tristeza da família. Pobre Zazá. Pobre de nós.

  

domingo, 11 de novembro de 2012

Histórias com o filho: feijaozinho

Nos momentos em que quero morrer para me livrar de tanta dor, me vem a cabeça as recordações das minhas histórias com os meus filhos, com o meu neto, com a minha família, enfim. Me orgulho da minha nova família, que me trará ainda muitas alegrias.  Não quero perder isto. Então, sobrevivo à dor, o desejo de viver persiste.

O meu menino valente faz 30 anos.

O meu bebê era bochechudo, com olhinhos cor de mel, fartos cabelos lisos e negros. Ele foi o mais lindo e fofo de todos os bebês! Certo dia, alguém o carregou no colo e me confessou: ele é igual ao feijãozinho. E era mesmo.

Até hoje, aos meus olhos ele ainda é o mais belo, o meu feijão.

Compartilho o "Palhaço", de Egberto Gismonti, que é a melodia de nós dois, aquela que nos embalava, quando ele ainda estava na minha barriga, ao amamenta-lo, ao nina-lo em meu colo. Ouvíamos na gravação original da album Circense. Mas esta interpretação do Egberto também está muito bonita.



terça-feira, 6 de novembro de 2012

Histórias de nós duas: O último abraço

Foi com um certo estranhamento que eu arrumei as minhas malas para a viagem "prós lados de lá". Das outras vezes, eu nunca havia adiado tanto a arrumação, como fiz dessa vez. Antes, partir para lá era difícil e inseguro. Eu passava dias arrumando a minha bagagem, temendo sentir muitas faltas. Eu não sabia de nada!

Nesta última viagem, eu arrumei tudo de véspera e sem qualquer planejamento, como se estivesse me adaptando ao "modus operandi"do outro continente, tão antigo e, antes, tão distante. Estranhei minha atitude, ainda que entendendo o meu desleixo. A viagem foi marcada, inicialmente para a primavera de lá: maio. Mamãe adoeceu gravemente e eu desisti de ir. Me conformei em não me reencontrar com a minha filhinha caçula e o meu netinho. Me conformei de não rever a deslumbrante florada das glicínias. Preferi me despedir de mamãe e elaborar a perda dela.

Após indas e vindas na decisão de sair do lar e me afastar da tristeza da perda da mãe, considerei a oferta generosa da amiga, que nos acolheria em sua agradável companhia e do seu marido na sua casa em Montmartre. Decidimos ir, no outono de lá: outubro. Era aquele o momento certo. Eu não sabia de nada!

Optei em levar pouca bagagem, cedendo boa parte do espaço da minha única mala para os presentes brasileiros aos meus amados, que por lá moram, distantes. E afinal, mulherzinha que eu era, compraria com prazer tudo o que me faltasse por lá. Eu não sabia de nada!

No dia da partida, ela veio se despedir de mim, na correria que os compromissos dela exigiam. Era muito cedo, uma manhã bonita e cheia de luz. Ela me olhou com a imensidão dos seus olhos azuis, da cor das minhas amadas glicínias, e com a grandeza do sorriso de seus lábios e me disse: "Noh Pabinha, você já está indo hoje! Me esqueci de separar as roupas do meu filho, me esqueci de comprar as paçoquinhas dele para você levar. Ai, putz, ando muito ocupada..."eu respondi: "não se preocupe filha, já separei as roupas dele, comprei para ele e para a sua irmã as paçoquinhas e a farinha  de pão de queijo. Já está tudo dentro da mala". Ela veio me abraçou apertado e disse numa só frase e de um só folego: "Pabinha, você é a melhor mãe do mundo, te amo, boa viagem". E saiu correndo para o trabalho gritando: "dá um beijo no meu pai".

Esse foi meu ultimo encontro com ela, meu ultimo abraço nela. Essas foram as ultimas palavras que eu escutei dela. Eu nem imaginava que entre nós duas, ali naquele momento, seria tudo tão "ultimo".
Eu não sei de nada!

Video produzido por Aluizio Salles Jr em outubro de 2012


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Histórias deles dois: Saint-Rémy

Ao fechar meus olhos, sempre aparecem imagens da minha filha rindo, com aquele riso aberto e sincero. E vou puxando as lembranças dela, em busca da sua companhia por alguns poucos momentos. Que assim seja!!!. E com ela, me chegam as recordações familiares, de nós seis. Bons tempos. Tempos inesquecíveis.

Em janeiro de 2011, como comentei aqui, fizemos nossa primeira viagem familiar para o exterior: sul da França, Provence. O vulcão islandês estava ativo na época, o que nos obrigou a fazer várias improvisações, desde a saída de casa. Quantos desencontros e mal humores isto gerou entre nós!  Porém, para ela e seu filho, meu neto, todos os problemas viravam piadas e risadas. Para os dois, que após longo tempo de separação, se encontravam outra vez, tudo era somente alegria. Ali, os dois foram as minhas melhores companhias.

Muitos encontros e bons humores trocamos entre nos seis, também. Um deles foi em Saint-Rémy.Por unanimidade inserimos essa cidade em nosso roteiro de viagem. Asilo de Saint Paul, onde esteve internado Van Gogh, um dos nossos prediletos artistas plásticos, por sua obra tão ligada e confundida com a sua história. O dia estava lindo, as iris estavam em flor, tal como eu as imaginava, quando as vi nas obras do artista.
Certamente, este foi um dia muito emocionante e bom para todos nós.

Para mim, o evento mais comovente deste dia, foi presenciar o encontro dos dois, mãe e filho, nos jardins internos do asilo. Meu neto se impressionou com um pássaro morto e quis enterra-lo, ali mesmo. Sua mãe, estreando a sua filmadora, realizou, a partir desse gesto, um belo video, usando também algumas imagens do filho, obtidas em Nice.

Nesses últimos dias, ao assistir outra vez este vídeo, me deparei com um novo significado nele: mais uma coincidência triste na vida destes dois amados. Mais um soco no meu estomago e um nó na minha garganta.
 Sem mais palavras.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...